Vertismed Brasil | Bexiga Hiperativa: Qual antimuscarínico prescrever?

Bexiga Hiperativa: Qual antimuscarínico prescrever?

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Introdução

A bexiga hiperativa (BH) é uma condição bastante prevalente e as queixas relacionadas a ela são igualmente comuns nos consultórios de Urologia. Embora seja uma condição classicamente associada ao sexo feminino, pode acometer crianças com disfunção miccional não neurogênica e o sexo masculino. Nos últimos anos, a compreensão de que essa condição não é uma situação relacionada especificamente ao sexo feminino é, no contexto fisiopatológico, sem dúvida, uma mudança de paradigma na Urologia 1.

Dados nacionais mostram que as queixas relacionadas ao armazenamento vesical são mais comuns do que as queixas associadas ao esvaziamento vesical no Brasil, inclusive nos homens. Segundo o estudo Brasil LUTS, 20,6% dos homens avaliados apresentavam sintomas de armazenamento vesical e apenas 10,6% queixavam sintomas sobre o esvaziamento vesical 2. A noctúria e o aumento da frequência urinária foram as queixas mais prevalentes, acometendo 27,1 e 27,7% dos indivíduos do sexo masculino avaliados, respectivamente. Nas mulheres, as queixas de armazenamento foram evidenciadas em 36% das participantes, apenas 4,5% das mulheres queixaram sintomas de esvaziamento vesical. No entanto, apesar dos números serem significativos, apenas 30,6% procuraram tratamento específico 2.

Os dados a respeito dessa condição estão em constante evolução e, de forma geral, as diretrizes disponíveis devem ser encaradas como estratégia viável de tratamento 1. Desta feita, ao abordar um paciente com BH devemos, portan-to, nos lembrar de que a interpretação dos sintomas, a avaliação do seu impacto e o grau de investimento terapêutico irão variar conforme o contexto clínico e sua interrelação com aspectos absolutamente individuais 3. Como a BH não é uma doença, mas um complexo sintomatológico geralmente não associado a risco de vida, a opção eventual de não tratar os sintomas apresentados pode ser uma opção válida e legítima, se não houver impacto significativo à qualidade de vida do reclamante (AUA/SUFU) 4.

Consequentemente, a escolha do medicamento a ser utilizado no tratamento da BH precisa ser feita após análise da complexa interação entre os aspectos pessoais, as expectativas individuais, as características da condição clínica específica de BH e as propriedades farmacológicas da medicação a ser utilizada, em um contexto clínico estritamente individualizado.

Tratamento farmacológico: qual medicação escolher entre os anticolinérgicos?

Segundo as diretrizes europeias e americanas, o tratamento farmacológico constitui a segunda linha do tratamento da BH e deve ser instituído após, ou conjuntamente, à prescrição de terapias comportamentais (treinamento vesical e do assoalho pélvico), manuseio de líquidos, perda de peso e diminuição do consumo de cafeína e de fumo em todos os pacientes 1,3.

Os antimuscarínicos são utilizados há anos no manejo da BH, e foram considerados por décadas a pedra angular do seu tratamento farmacológico 4. Desde o aparecimento dos primeiros medicamentos, houve evolução inquestionável das características farmacológicas das substâncias utilizadas.

Após a liberação do uso da oxibutinina pelo Food and Drug Administration (FDA) em 1984, outros medicamentos o sucederam, como opções ao manejo dessa condição clínica 4. A partir de 2004, medicamentos de ação seletiva em receptores M3 muscarínicos e o tróspio foram lançados no mercado americano. Nesse processo evolutivo, formula-ções de liberação lenta (oxibutinina e da tolterodina) também foram desenvolvidas, com o objetivo de diminuir os efeitos colaterais do tratamento 4. Uma metanálise publicada em 2012 , que engloba 23 estudos e 3.685 pacientes, comprovou a efetividade dos antimuscarínicos no manejo dos sintomas da BH 5. No entanto, embora a evolução farmacológica tenha melhorado a tolerabilidade ao tratamento, não impactou sua eficácia 6.

É fato bastante conhecido que a adesão aos antimuscarínicos diminui sensivelmente com o passar do tempo, devido sobretudo à presença de efeitos adversos, aos custos do tratamento e à presença de efeitos colaterais (a maioria dos pacientes suspende o tratamento nos primeiros três meses de uso) 1.

Parece uma conclusão lógica, portanto, que a escolha de uma medicação mais tolerável se relacione a um incre-mento da efetividade clínica global do tratamento e que, nesse contexto, a adesão à prescrição de longo prazo possa ser afetada pelo medicamento utilizado 6.

Outra consideração importante é que, em determinados grupos de risco, a utilização de antimuscarínicos precisa ser cautelosa. Diversos autores reiteram cuidados na sua prescrição para idosos frágeis e pacientes que já fazem uso de medicações de ação antimuscarínica 1,3,4. Essas recomendações, obviamente, se somam aos clássicos cuidados relacionados à presença de glaucoma fechado, maior predisposição individual ao desenvolvimento de boca seca e/ou constipação intestinal. Nesses grupos de risco, diversos medicamentos também podem apresentar diferentes perfis de segurança. A vulnerabilidade dos idosos a essa classe de medicações é multivariada e individual, e se relaciona à 7:

1. Diminuição da metabolização de medicamentos;
2. Mudanças na barreira hematoencefálica;
3. Modificações nos receptores antimuscarínicos (número e distribuição) relacionados ao envelhecimento e distúrbios cognitivos;
4. Alterações de neurotransmissão condicionadas à idade;
5. Utilização de outras medicações com ação anticolinérgica (sobrecarga anticolinérgica).

Considerando-se, portanto, a procura pelo equilíbrio entre a efetividade da medicação, a incidência de efeitos colate-rais, a adesão ao tratamento, a satisfação dos pacientes e os argumentos acima apresentados, é de fundamental im-portância que analisemos os fatores de segurança relacionados aos diferentes antimuscarínicos disponíveis para o manejo da BH, sobretudo nos grupos de risco 8:

a Quanto maior a seletividade a receptores ativos no trato urinário inferior (M3) e menor sua seletividade a receptores muscarínicos M1 (importante relação com a função de memória), menor seu potencial impacto cognitivo. Em um es-tudo farmacológico in vitro, a darifenacina foi o medicamento com maior afinidade aos receptores muscarínicos tipo M3, em comparação à oxibutinina, solifenacina, tolterodina e ao tróspio 4.

b A capacidade de difusão da molécula através da barreira hematoencefálica impacta a potencial ação do medi- camento, no nível do sistema nervoso central (SNC). Essa difusão está diretamente relacionada a 4:

tamanho da molécula: moléculas menores têm maior permeabilidade através dos poros da barreira;
lipofilicidade: o tecido nervoso tem elevada taxa lipídica. Dessa forma, quanto maior a lipofilicidade da substância,
maior seu coeficiente de penetração tecidual;
polaridade: moléculas com cargas elétricas incompatíveis têm maior dificuldade de penetração tecidual (Tabela 2);
susceptibilidade de carreamento transmembrana mediado pela glicoproteína P: a glicoproteína P é uma proteína transmembrana com função de carrear moléculas para fora do SNC, diminuindo sua concentração tecidual e seu
potencial de ação ao nível do SNC. Até o momento, apenas a darifenacina e o tróspio tiveram mecanismo de transporte documentado por esse mecanismo.

Recentemente, tem-se voltado atenção crescente ao conceito de sobrecarga anticolinérgica e aos potenciais desfe-chos relacionados. Embora seja um evidente foco de pesquisa e de consideração, divergências sobre sua quantifica-ção, classificação, a existência de múltiplas e contraditórias escalas de potência anticolinérgica e sua real relação de causa e efeito a prováveis desfechos clínicos dificulta uma padronização de análise 10.

Recentemente, tem-se voltado atenção crescente ao conceito de sobrecarga anticolinérgica e aos potenciais desfe-chos relacionados. Embora seja um evidente foco de pesquisa e de consideração, divergências sobre sua quantifi-cação, classificação, a existência de múltiplas e contraditórias escalas de potência anticolinérgica e sua real relação de causa e efeito a prováveis desfechos clínicos dificulta uma padronização de análise 10.

Por fim, uma revisão sistemática publicada em 2008 avaliou o impacto cognitivo de diferentes medicações anticoli-nérgicas utilizadas no manejo da BH e concluiu que a oxibutinina apresenta o maior potencial de impacto, ao passo que a darifenacina se mostrou como o medicamento com menor impacto na função cognitiva e na memória dos indivíduos avaliados 11.

 

Conclusões

Os anticolinérgicos são a base do tratamento farmacológico da BH, há anos; embora sua taxa de efeitos colaterais seja uma questão importante e relacionada à significativa taxa de abandono terapêutico, o uso de medicações super-seletivas e com menor potencial de penetração ao nível do SNC pode otimizar sua efetividade clínica.

Embora haja poucos estudos avaliando especificamente o impacto cognitivo desses medicamentos, sobretudo nos grupos de maior risco, e ainda exista uma série de questões relacionadas a como medir esses efeitos, os dados publi-cados inferem que a darifenacina apresenta um interessante e potencial perfil de segurança nesse quesito, em estu-dos preliminares.

Acesse aqui um caso clínico  para detcção e tratamento da bexiga hiperativa. 

Bibliografia

1. Gratzke C, Bachmann A, Descazeaud A, et al. EAU Guidelines on the Assess-ment of Nonneurogenic Male Lower Urinary Tract Symptoms including Benign Prostatic Obstruction. Eur Urol. 2015 Jun;67(6):1099-109. doi: 10.1016/j.euru-ro.2014.12.038. Epub 2015 Jan 19.
2. Soler R, Gomes CM, Averbeck MA, Koyama M. The prevalence of lower urinary tract symptoms (LUTS) in Brazil: Results from the epidemiology of LUTS (Brazil LUTS) study. Neurourol Urodyn. 2018 Apr;37(4):1356-64. doi: 10.1002/nau.23446. Epub 2017 Nov 6.
3. Gormley EA, Lightner DJ, Faraday M, Vasavada SP; American Urological Association; Society of Urodynamics, Female Pelvic Medicine. Diagnosis and treatment of over-active bladder (non-neurogenic) in adults: AUA/SUFU guideline amendment. J Urol. 2015 May;193(5):1572-80. doi: 10.1016/j.juro.2015.01.087. Epub 2015 Jan 23. Review.
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5. Rai BP, Cody JD, Alhasso A, Stewart L. Anticholinergic drugs versus non-drug active therapies for non-neurogenic overactive bladder syndrome in adults. Cochrane Database Syst Rev. 2012 Dec 12;12:CD003193. doi: 10.1002/14651858.CD003193.pub4.
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10. Welsh TJ , van der Wardt V, Ojo G, Gordon AL, Gladman JRF. Anticholinergic Drug Bur-den Tools/Scales and Adverse Outcomes in Different Clinical Settings: A Systematic Re-view of Reviews. Drugs Aging. 2018 Jun;35(6):523-538. doi: 10.1007/s40266-018-0549-z.
11. Kay GG, Ebinger U. Preserving cognitive function for patients with overactive bladder: evidence for a differential effect with darifenacin. Int J Clin Pract. 2008 Nov;62(11):1792- 800. doi: 10.1111/j.1742-1241.2008.01849.x. Epub 2008 Aug 11.

CAIO CESAR CINTRA CRM-SP 93.719

Professor Assistente da Disciplina de Urologia
da FMABC. Médico Urologista e Responsável
pelo Serviço de Disfunção Miccional do Hospital
São Camilo Santana

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