Vertismed Brasil | A SEXUALIDADE E O PAPEL DO HOMEM NA SOCIEDADE

A SEXUALIDADE E O PAPEL DO HOMEM NA SOCIEDADE

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Por:  PROF.ª DR.ª CARMITA H. N. ABDOCRM 22.932/SP

Psiquiatra, Professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP); 

Coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP;

Presidente da Associação Brasileira de Estudos em Medicina e Saúde Sexual (ABEMSS)

 

INTRODUÇÃO

A National Mental Health Development Unit (NMHDU), uma organização governamental da Inglaterra, criada em 2009, foi encarregada de apoiar a implementação da política de saúde mental naquele país. Trabalhou até
2011, em parceria com autoridades de saúde, recomendando as melhores práticas para otimizar os serviços de saúde mental, após
cuidadoso levantamento a respeito do perfil da população.1,2 Essa unidade evidenciou que, para os homens, as demandas em saúde são
diferentes daquelas das mulheres, sendo o gênero a base determinante do indivíduo, ou seja, um importante elemento, entre as múltiplas possi-bilidades formativas, além de definir nossos relacionamentos.1,2 Nesse sentido, cabe atenção para os dados sumarizados no Quadro 1.

O mesmo levantamento também alertou que: mais de 80% das crianças que abandonam definitivamente a escola são meninos; eles têm desempenho pior que meninas em todos os níveis educacionais; têm menos suporte social de amigos, parentes e comunidade.2 Quase uma década antes, exatamente em 2003, o Ministério da Proteção Social da Colômbia publicava um conjunto de estratégias de enfrentamento para a saúde pública, no qual recomendava, entre outras, a adequação dos tratamentos de acordo com o gênero, a idade e a cultura.4,5

SAÚDE MASCULINA

As elevadas taxas de mortalidade masculina muitas vezes estão associadas à alta incidência de doenças cardiovasculares e diabetes mellitus, explicada por: negligência pessoal, maus hábitos de vida, conhecimento precário sobre saúde e ausência de ações de promoção da saúde que atinjam essa população vulnerável; subdiagnóstico e subtratamento de doenças físicas em pacientes com transtornos mentais ou morbidade iatrogênica, devido aos efeitos adversos de medicamentos; e fatores de risco genéticos comuns a transtornos psiquiátricos e somáticos.6 Além disso, comportamentos violentos e antissociais são mais frequentes em homens (87% dos crimes de violência são cometidos por eles). Esse comportamento é ainda mais encontrado em dependentes de álcool, usuários de drogas e naqueles com transtornos de personalidade.2

Não resta dúvida de que ações mais diferenciadas são necessárias para acessar esses pacientes. Em curto prazo não se muda a cultura da população masculina, mas se pode mudar os serviços de saúde.1-3

Em curto prazo não se muda a cultura da população masculina, mas se pode mudar os serviços de saúde.”

FUNÇÃO E DISFUNÇÃO SEXUAL MASCULINA

A resposta sexual depende da interação entre fatores neurogênicos, psicogênicos, vasculares e hormonais, sendo comandada pelo cérebro.7 Essa resposta se compõe de emoções, motivação e cognição/atenção, as quais dependem da ativação de diferentes regiões cerebrais.8 Sistema nervoso autônomo, eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), neurotransmissores e hormônios sexuais agem em sinergia.9 O desejo (primeira fase dessa resposta) é regulado predominantemente pela dopamina. A excitação (identificada pela ereção nos homens e pela lubrificação/intumescimento vulvovaginal em mulheres) é regulada por óxido nítrico e acetilcolina, enquanto serotonina, norepinefrina e prolactina controlam o orgasmo (acompa-nhado de ejaculação no homem), associado à liberação de ocitocina. A serotonina inibe a ejaculação e o orgasmo, se em excesso nos receptores 5-HT2 e 5-HT3. A disfunção sexual também ocorre por redução da dopamina, inibição do óxido nítrico sintetase, aumento dos níveis de prolactina e bloqueio de receptores colinérgicos e adrenérgicos α-1.8,9

Na fisiopatologia das disfunções sexuais, os processos mais frequentemente envolvidos são: os preditores genéticos, os anatômicos, os bioquími-cos e os efeitos de medicamentos.8-10

Alguns desses medicamentos podem interferir nas três fases da resposta sexual. A fase atingida e a intensidade dos sintomas dependem do tipo e do número de receptores-alvo de cada medicamento, dos efeitos diretos sobre os receptores (incluindo serotonina, norepinefrina, dopamina, histami-na e acetilcolina) e da dose utilizada.8,10 Idade avançada é um fator de risco para a depressão e as disfunções sexuais.11-13 Com a idade, também a chance de enfermidades sistêmicas cresce. Doenças crônicas (neurológicas, reumáticas, cardiovasculares, diabetes, câncer e dor crônica), bem como uso de drogas, abuso de álcool e infecções sexualmente transmissíveis comprometem a função sexual (por alteração do neurocircuito da resposta sexual).11,14 Estudos populacionais sobre disfunção erétil (DE acabaram por confirmar a universalidade dos fatores de risco para essa condição)15-18. Características sociodemográficas (idade avançada, baixa escolaridade, baixa renda, desemprego), maus hábitos de vida (sedentarismo, tabagismo, obesidade) e condições médicas (especialmente depressão, diabetes, hipertensão, doença cardiovascular  dislipidemia, tumores da próstata) relacionam se com maior chance para DE, a qual se agrava à medida em que esses fatores se apresentam associados em um mesmo indivíduo. Portanto, a DE desempenha importante papel como marcador preditivo e evolutivo de condições que trazem risco à saúde e à vida do homem.1

DIAGNÓSTICO DAS DISFUNÇÕES SEXUAIS

É sintomatológico, partindo da queixa associada à anamnese. São critérios: a persistência ou recorrência de pelo menos seis meses de sintomatologia, provocando sofrimento clinicamente importante para o paciente e/ou o casal. Não caracterizam quadro de disfunção sexual as falhas isoladas ou esporádicas, resultantes de condições cotidianas negativas (mágoa, preocupação ou cansaço, por exemplo).20

A mais recente classificação das disfunções sexuais masculinas, que consta na 11ª edição da Classificação Internacional de Doenças (CID-11), é apresentada na Tabela 1 -21. Vale lembrar que essa versão da CID-11 ainda poderá ser modificada.

Minuciosa história psicossexual deve investigar o início dos sintomas (disfunção sexual ao longo da vida versus adquirida), situações nas quais esses sintomas aparecem (disfunções generalizadas ou situacionais) e fatores precipitantes, mantenedores e agravantes.20 Deve-se incluir avaliação de dados sociodemográficos e hábitos (idade, relacionamentos, consumo de álcool ou uso de outras substâncias), além de condições comórbidas.22 O diagnóstico laboratorial mínimo para definir ou afastar a etiologia orgânica da disfunção sexual masculina pode ser realizado por meio de uma bateria básica de exames, conforme mostra a Tabela 2.

A prevalência de ejaculação precoce (EP) mantém-se estável em todas as faixas etárias, durante a vida do homem.24 Por outro lado, DE e diminuição do desejo sexual tendem a aumentar, da mesma forma que a incidência de doenças.25 A Figura 1 ilustra as doenças referidas por homens brasileiros em um estudo populacional. Fica evidente a diferença de incidência de quadros patológicos em homens com DE, quando comparados aos sem DE.25

Em tempos de pandemia da COVID-19 têm sido observados quadros disfuncionais em homens de diferentes faixas etárias e qualidade de saúde prévia.26 Esses quadros refletem as condições adversas que geram insegurança (interferindo negativamente no desempenho sexual), tanto quanto precipitam doenças que comprometem a função sexual masculina. 

Vale sinalizar que no envelhecimento masculino, a atividade sexual apresenta características específicas, as quais são entendidas como próprias da idade e não como patológicas: o início da ereção é mais lento (muitas vezes necessitando de estímulo tátil), a congestão escrotal é menos intensa, a secreção pré- ejaculatória e a ejaculatória é menos profusa, a ejaculação é mais demorada e o jato ejaculatório é menor, as contrações prostáticas e uretrais são mais fracas, o orgasmo é breve, a detumescência peniana é rápida e o período refratário (entre um ato sexual e o próximo) é mais longo.27

MENSAGENS FINAIS

No Brasil, os homens vivem, em média, sete anos a menos do que as mulheres, apresentando taxas mais elevadas de doenças cardiovasculares, câncer, diabetes, hipercolesterolemia e hipertensão28. Conforme já assinalado, essas doenças são fatores de risco para a disfunção erétil. Essa, por sua vez, é um marcador de saúde, de extrema relevância, apesar de não levar o homem a buscar ajuda especializada de imediato. É importante informar esse aspecto à população masculina. Cerca de 40% dos homens brasileiros com idade inferior a 40 anos e 20% daqueles acima dessa idade só buscam o médico quando se sentem mal. Ou seja, não têm o hábito da prevenção de doenças, o que é tradicional entre as mulheres.29 Mesmo em situações bastante desconfortáveis, como levantar-se duas a três vezes à noite para urinar, fato referido por 30% dos homens brasileiros (e que pode sugerir aumento da próstata), a consulta médica não é buscada. Muitos preferem se informar e se automedicar por meio da internet.29 Os principais obstáculos a uma atitude mais proativa do homem em relação à preservação da sua saúde são a sua necessidade de ser reconhecido como fortaleza e provedor financeiro, bem como sua tendência a priorizar o conforto dos filhos e da parceira.29 Portanto, cabe insistir na recomendação do autocuidado, ainda que em curto prazo não se vá observar impacto sobre a cultura da população masculina. No entanto, essa mudança pode e deve ocorrer, o quanto antes, nos serviços de saúde.1-3 Mudar esses serviços significa trabalhar a consciência de que o sexo biológico (por influências genéticas e hormonais) tem implicação na fisiopatologia, no quadro clínico e na resposta aos tratamentos.

Além disso, o gênero (cujas influências são epigenéticas) responde por comportamentos relacionados aos maus hábitos, vícios, estilo de vida e estresse. Também responde pela forma como o indivíduo percebe a doença e busca ou não ajuda especializada. Atentar para a associação entre sexo, gênero e doença evita que a tendência do homem de não priorizar a sua saúde repercuta sobre a equipe médica.30

REFERÊNCIAS

 

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