Vertismed Brasil | Relação entre Febre Chikungunya e Artrite Reumatoide

Relação entre Febre Chikungunya e Artrite Reumatoide

Tiempo de lectura: 5 minutos

DRª. LAURA MARIA MENDONÇA CRM: 52-46477-5

Coordenadora do Núcleo de Doenças Osteometabólicas – HUCFF/UFRJ. Subchefe do
serviço de reumatologia UFRJ. Vicepresidente da Sociedade de Reumatologia do Rio de Janeiro 2016/18. Densitometrista CDPI
leblon/mdx

Introdução

Vários vírus podem causar artrite e/ou artralgias, entre eles: parvovírus, hepatite B, hepatite C, vírus Epstein-Bar (EBV) e os alfavírus, como zika e chikungunya (CHIK).
O diagnóstico nem sempre é fácil e deve ser lembrado em pacientes com poliartralgia aguda como diagnóstico diferencial da doença reumatológica primária.
Geralmente, os sinais e sintomas relacionados à artrite são de vírus específico. Porém, a grande maioria apresenta artrite poliarticular simétrica ou artralgia e, raramente, monoartrite. Pode se associar à febre, rash cutâneo e linfadenopatia e mimetizar a artrite reumatoide .
Os alfavírus (chikungunya e zika), transmitidos por picadas de mosquitos infectados (Aedes aegypti e Aedes albopictus), são distribuídos globalmente e determinam exatamente os sintomas listados acima .
Os primeiros relatos no Brasil foram confirmados em setembro de 2014, e até 2016 foram registrados 236.287 casos prováveis de infecção pelo chikungunya vírus (CHIKV) com 116.523 confirmados sorologicamente .
Uma revisão sistemática da literatura e meta-análise avaliou a incidência de dor articular e artrite após febre chikungunya nas Américas e constatou que 52% dos pacientes infectados com chikungunya no continente americano devem desenvolver o estágio crônico da doença .
Um estudo recente avalia que oito entre dez indivíduos infectados desenvolveram curso reumático crônico persistente e preencheram os critérios de classificação para AR soronegativa. 

Fisiopatologia

A picada do mosquito inocula a saliva com o vírus contendo moléculas com propriedades antihemostáticas
e imunomoduladoras. Ocorre infiltração celular e aumento de citocinas. Posteriormente, uma fase de reprodução viral nos fibroblastos e macrófagos cutâneos leva a disseminação para os gânglios linfáticos e para a circulação, levando à lesão de articulações e músculos. Citocinas inflamatórias são liberadas .
A cronicidade da chikungunya parece advir de dois fatores: reprodução viral, causando dano celular, e ativação da resposta imune. Na sinóvia, encontramos hiperplasia, proliferação vascular e infiltração de macrófagos perivasculares, semelhantes às da artrite reumatoide. Interleucina 6 (IL6) e algumas quimiocinas têm sido relacionadas à gravidade da doença. Em relação à presença dos anticorpos antinucleares (ANAs), do fator reumatoide e do anticorpo antipeptídeo citrulinado (ACPA) na fase aguda da doença, os relatos são díspares . Podem aparecer com baixos títulos e geralmente desaparecem rapidamente . Os marcadores só deverão ser solicitados na fase aguda se houver dúvida em relação ao diagnóstico diferencial com doenças recomendadas .

Quadro clínico

Período de incubação do CHI-KV: 3-7 dias.
Fase aguda: 7-14 dias.
Fase subaguda: até três meses.
Fase crônica: persistência dos sintomas por mais de três meses.
Febre de início súbito, artralgia ou poliartrite geralmente simétrica em mãos, punhos, tornozelos e pés, de forte intensidade, podendo incapacitar os indivíduos para as atividades rotineiras e de trabalho.
Podem acompanhar o quadro: mialgia, náuseas e vômitos, fotofobia, dor retro orbital, conjuntivite, rash maculopapular e linfadenopatia .
Como exposto acima, muitos pacientes evoluem para a forma crônica com poliartralgia ou artrite persistente ou em crise, comumente simétrica, acometendo as mesmas articulações já descritas na fase aguda, agora associada à rigidez matinal. Pacientes com diagnóstico prévio de doença reumatológica (AR, EA, LES etc.) podem apresentar reativação ou exacerbação da doença de base .

Definição de caso de febre chikungunya

Critérios clínicos: início abrupto de febre > 38,5 ºC e artralgia/artrite intensa de início agudo não explicada por outras condições médicas.
Critérios epidemiológicos: indivíduo reside ou visitou área endêmica ou epidêmica no prazo de 15 dias antes do início de sintomas ou tem vínculo epidemiológico com caso confirmado?
Critérios laboratoriais
• Isolamento do CHIKV por cultura.
• Presença de RNA do CHIKV avaliada PCR em tempo real.
• Presença de anticorpos IgM específicos para CHIKV.
• Aumento de quatro vezes nos valores de anticorpos IgG específicos para CHIKV em amostras recolhidas, pelo menos com 10-14 dias de intervalo.
• Detecção de anticorpos neutralizantes contra CHIKV por PRNT em soro.

CLASSIFICAÇÃO
Caso suspeito: o paciente apresenta os critérios clínicos e epidemiológicos.
Caso confirmado: quando um caso suspeito apresenta qualquer um dos critérios laboratoriais.
Caso atípico: quando há confirmação laboratorial em paciente com outras manifestações (neurológicas, cardíacas, dermatológicas, oftalmológicas, renais, respiratórias etc.).

Os exames de imagem (radiografias simples e ressonância) não ajudam muito na fase aguda e só devem ser solicitados na fase crônica para avaliar danos causados. Ao contrário, a ultrassonografia articular pode mostrar, na fase aguda e crônica, o grau de atividade inflamatória, presença de erosões ósseas e tenossinovites.

tratamento

Em relação ao tratamento, existem poucos dados na literatura sobre tratamento da artrite pós-chikungunya. A Sociedade Brasileira de Reumatologia elaborou recomendações após revisão da literatura (bases de dados Medline, SciELO, PubMed e Embase, resumos de anais de congressos, opinião dos especialistas). Resumimos a
seguir.

Fase aguda:

O objetivo principal é o alívio da dor. É considerada intensa quando a escala visual analógica (EVA) for > 7.
• Analgésicos comuns (paracetamol ou dipirona) e/ou opioides fracos (em casos de dor intensa ou refratária).
• Devem ser evitados AINEs e salicilatos.
• Os corticosteroides não são recomendados.
• Dor com características neuropáticas (dor em queimação e/ou latejante, fisgada ou sensação de choque, agulhadas, frio ou formigamento): antidepressivos tricíclicos (amitriptilina, nortriptilina) ou anticonvulsivantes (gabapentina, pregabalina, bamazepina).

Fase subaguda:

• AINEs (naproxeno, celecoxibe ou etoricoxibe) e/ou medicações adjuvantes para tratamento da dor (anticonvulsivantes ou antidepressivos) nos casos refratários a analgésicos/opioides.
• Naqueles com contraindicação ao uso dessas medicações: prednisona ou prednisolona, na dose de até 20mg/dia.
• Hidroxicloroquina não mostrou evidências suficientes nessa fase subaguda. Recomendação dos especialistas brasileiros sugere que pode funcionar como droga poupadora de corticoide.

Fase crônica:

• Idem à fase subaguda, em que os AINEs podem ser usados em pacientes que apresentem dor refratária ao uso de analgésicos simples e opioides.
• O uso de prednisona 0,5mg/kg/dia (dose máxima de 40mg/dia), por um período de seis a oito semanas. Na ausência de resposta, associar opiodes. A retirada deve ser lenta e gradual para não ocasionar rebote.
• Infiltração intra-articular ou peritendínea também pode ser usada.
• Em pacientes nos quais não se consiga o desmame do corticoide, passa-se para a segunda etapa do tratamento: introduzir o metotrexate e/ou hidroxicloroquina e sulfassalazina.
• A dose diária recomendada de HCQ é 5mg/kg/dia. Leva-se em consideração o peso ideal, e não o peso real do paciente, para reduzir o risco de toxicidade.
• O protocolo brasileiro recomenda o uso do MTX sempre que os sintomas persistirem e não se conseguir retirar o
corticoide, com dose inicial de 10mg e máxima de 25mg/semana.
• A dor neuropática pode ser tratada com corticoide isoladamente ou em associação a antidepressivos ou anticonvulsivantes.

conclusão

A infecção por CHIKV deve ser considerada quando um paciente é avaliado com uma nova poliartrite simétrica.
Pacientes com infecções por CHKV podem ter um curso crônico persistente de doença musculoesquelética.
O uso do methotrexate na fase crônica é preconizado no mundo inteiro e por nossos especialistas brasileiros.
A febre chikungunya precisa ser tratada como um grande problema de saúde mundial.

Referências:

1. NCBI Bookshelf. A service of the National Library of Medicine, National Institutes of Health. StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2018.
2. Edington F et al. Incidence of articular pain and arthritis after Chikungunya fever in the Americas: a systematic review of the literature and meta-analysis. Joint Bone Spine. 2018;85(6):669-678.
3. Marques SDL et al. Recomendações da Sociedade Brasileira de Reumatologia para diagnóstico e tratamento da febre Chikungunya: parte 1 – diagnóstico e situações especiais. Rev Bras Reumatol. 2017;57(S2):S421-S437.
4. Tanay A. Chikungunya vírus and autoimmunity. Current Opinion in Rheumatology. 2017;29(4):389-393.
5. Bedoui Y et al. Immunomodulatory drug methotrexate used to treat patients with chronic inflammatory rheumatisms post-chikungunya does not impair the synovial antiviral and bone repair responses. Plos Negl Trop Dis. 2018;12(8):e0006634.
6. Marques SDL et al. Recomendações da Sociedade Brasileira de Reumatologia para diagnóstico e tratamento da febre Chikungunya: parte 2 – tratamento. Rev Bras Reumatol. 2017;57(S2):S438-S451 

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