Vertismed Brasil | CRISES EPILÉPTICAS E EPILEPSIAS

CRISES EPILÉPTICAS E EPILEPSIAS

Tiempo de lectura: 7 minutos

A crise epiléptica é definida como a ocorrência transitória de sinais e/ou sintomas decorrentes de atividade neuronal síncrona ou excessiva no cérebro. Esses sinais e/ou sintomas incluem fenômenos anormais súbitos e transitórios, tais como alterações da consciência, ou eventos motores, sensitivos e/ou sensoriais, autonômicos
ou psíquicos involuntários percebidos pelo paciente ou por um observador.1

Epilepsia é a predisposição persistente do cérebro para gerar crises epilépticas recorrentes. Tradicionalmente, a epilepsia é definida pela ocorrência de duas crises epilépticas não provocadas, separadas por um intervalo de mais de 24 horas.2 Quando essas crises recorrem dentro desse tempo, mesmo que assumam a forma de crises subentrantes ou estado de mal epiléptico, isso não é suficiente para o diagnóstico de epilepsia.2 A ocorrência de
duas crises epilépticas não provocadas autorizaria o médico a propor o início do tratamento da epilepsia. Mais recentemente, a International League Against Epilepsy (ILAE) preconiza duas definições de epilepsia: uma conceitual ou científica3 e uma operacional ou prática.4

EPILEPSIA – DEFINIÇÃO CONCEITUAL (CIENTÍFICA)

Em 2005, um grupo de trabalho da ILAE propôs uma definição conceitual (científica) de epilepsia como um distúrbio cerebral caracterizado pela predisposição persistente do cérebro para gerar crises epilépticas e pelas consequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais dessa condição. Segundo essa proposição, a definição de epilepsia requer a ocorrência de pelo menos uma crise epiléptica, desde que seja demonstrada uma condição que predisponha o cérebro a gerar crises, por exemplo, uma anormalidade eletroencefalográfica ou uma lesão cerebral às quais a ocorrência da crise possa ser atribuída.3

Epilepsia – Definição operacional (prática)

Em 2014, a ILAE propôs uma definição operacional (prática) de epilepsia como uma doença do cérebro caracterizada por uma das seguintes condições4:
• Pelo menos duas crises não provocadas (ou duas crises reflexas) ocorrendo em um intervalo superior a 24 horas;
• Uma crise não provocada (ou uma crise reflexa) e chance de ocorrência de uma nova crise estimada em pelo menos 60%, ocorrendo nos próximos 10 anos;
• Diagnóstico de uma síndrome epiléptica.

A compreensão dessa definição requer a clarificação de vários termos nela utilizados. 

Epilepsia como uma doença: Tradicionalmente referida como um distúrbio cerebral funcional, em 2014 a epilepsia foi definida como uma doença. Esse termo implica que há uma desestruturação duradoura da função cerebral normal. Como o câncer ou a arritmia cardíaca, condições reconhecidamente aceitas como doenças, as quais se manifestam sob várias formas e exigem múltiplas modalidades terapêuticas cursando com prognósticos variados, a epilepsia também deve ser considerada uma doença.4

Crises reflexas: Uma crise é denominada reflexa quando sua ocorrência está claramente relacionada a um estímulo externo ou a uma atividade do indivíduo. O estímulo precipitante pode ser simples (lampejos luminosos, por exemplo) ou elaborado (uma música, por exemplo). Da mesma forma, a atividade desencadeadora também pode ser simples (um movimento, por exemplo), elaborada (ler, jogar xadrez, por exemplo) ou ambas (ler em voz alta, por exemplo).5

Risco de recorrência de 60% nos próximos 10 anos: Um risco de recorrência de 60% após a primeira crise teria o mesmo significado que a definição tradicionalmente utilizada para iniciar o tratamento da epilepsia, ou seja, a ocorrência de duas crises não provocadas. Um estudo importante sobre o risco de recorrência de crises epilép-ticas não provocadas foi feito por Hauser et al.6 Nele, os autores seguiram 204 indivíduos que apresentaram uma primeira crise epiléptica por até 72 meses para verificação do risco de recorrência de novas crises. Foi observado que, após uma primeira crise, o risco de recorrência de uma segunda foi de 26% a 40%. Após duas crises, o risco de uma terceira foi de 60% a 87% e, após a terceira crise, o risco de uma quarta foi aproximadamente o mesmo – 61% a 90% – e se manteve estável. (Figura 1) Por essa razão, preconizou-se, a critério médico, o início do trata-mento após a segunda crise. Em 2014, o grupo de trabalho da ILAE concluiu que, se após a primeira crise o médico julgar que há um risco de recorrência para uma segunda de aproximadamente 60%, ele deverá definir a condição como epilepsia.4

Não há como aferir o risco de recorrência de 60% já por ocasião da primeira crise epiléptica para todos os pacientes, pois o risco para crises é individual. Certamente a demonstração de uma lesão estrutural definida e/ou a presença de uma alteração eletroencefalográfica indubitável por ocasião da primeira crise às quais essa possa ser atribuída representam elementos que autorizam o médico a postular o início do tratamento se considerar necessário.

Síndrome epiléptica: Uma síndrome epiléptica é definida como um distúrbio epiléptico caracterizado por um conjunto de sinais e sintomas que habitualmente ocorrem juntos. Os sinais e sintomas podem ser clínicos (por exemplo, história clínica, tipos de crises, modos de ocorrência das crises e achados neurológicos e psicológicos) ou alterações detectadas por exames complementares (eletroencefalograma, tomografia computadorizada e res-sonância magnética do encéfalo).7 Exemplos: síndrome de West, epilepsia benigna com descargas centrotemporais, síndrome de Dravet.

Epilepsia resolvida: Finalmente, o termo utilizado na definição conceitual de epilepsia condição persistente não define a duração da doença. Em 2014, o Grupo de Trabalho da ILAE cunhou o termo epilepsia resolvida, o qual deverá ser utilizado para descrever a condição de indivíduos que tiveram uma epilepsia relacionada a uma determinada faixa etária e que agora ultrapassaram essa idade ou ainda a condição de indivíduos que tiveram a última crise há mais de 10 anos e estão há pelo menos cinco anos livres de crises sem tratamento com fármacos antiepilépticos.4 Essa definição terá implicações práticas importantes na vida dos pacientes com epilepsia, como redução do estigma relacionado à doença e repercussões sociais, laborais e econômicas relacionadas a seguros de saúde e direção veicular, entre outras.

A CLASSIFICAÇÃO DAS CRISES EPILÉPTICAS DE 2017

A primeira tarefa do clínico é determinar se um evento tem as características de uma crise epiléptica, e não as de um dos muitos imitadores de crises como síncopes, crises não epilépticas psicogênicas, transtorno de pânico e hiperventilação, vertigem, migrânea, acidentes isquêmicos transitórios, distúrbios de sono, tiques e doença de Tourette, entre outros. O próximo passo é a classificação do(s) tipo(s) de crise(s).

Após 35 anos da primeira classificação oficial das crises epilépticas de 1981,7 em 2017 o Comitê Executivo da ILAE aprovou a nova classificação das crises epilépticas.8 Um dos objetivos fundamentais da Classificação é direcionar as indicações de fármacos antiepilépticos. A classificação de 2017 da ILAE considera quatro grupos de crises epilépticas: 1) crises focais; 2) crises generalizadas; 3) crises de início desconhecido e 4) crises não classifi-cáveis. (Tabela 1) Crises epilépticas focais são aquelas que se originam em redes neuronais limitadas a um hemisfério cerebral, as quais podem ser restritas ou distribuídas de forma mais ampla.8 Crises epilépticas generalizadas são aquelas que se originam em algum ponto de uma rede neuronal e rapidamente envolvem
redes neuronais bilaterais e se distribuem nelas.8

As crises focais são divididas em perceptivas, quando a percepção de si próprio e do meio ambiente é preser-vada, e em disperceptivas ou com comprometimento da percepção, quando a percepção é comprometida. As crises focais, tanto motoras como não motoras, podem evoluir para crises tônico-clônicas generalizadas. Por outro lado, tanto as crises focais como as generalizadas e as de início desconhecido podem ser subdivididas em motoras e não motoras, e esses dois subgrupos compreendem os vários tipos de manifestações semio-lógicas das crises epilépticas. Crises generalizadas são também subdivididas em crises motoras e não moto-ras (ausências). Há oito subtipos de crises generalizadas motoras e quatro subtipos de ausências como não motoras. A diferenciação desses subtipos de ausências é fundamental para o estabelecimento do diagnóstico sindrômico e do prognóstico. Crises de início desconhecido, por não terem sido integralmente testemunhadas, por exemplo, as quais seriam referidas pela simples expressão “não classificadas” na classificação de 1981,7 podem agora receber caracterís-ticas adicionais, incluindo motoras e não motoras. Um tipo de crise de início desconhecido pode posteriormente ser classificado tanto como de início focal quanto de início generalizado quando estiverem disponíveis exames complementares como eletroencefalografia (EEG), neuroimagem ou testes genéticos. Finalmente, pode ser impossível classificar uma crise epiléptica, tanto por causa de informa-ções incompletas como pela natureza incomum da crise; nesse caso, deverá ser chamada de crise epiléptica não classificada. A categorização como não classificada deve ser feita somente em situações excepcionais, quando o clínico está seguro de que o evento é uma crise epiléptica, mas não consegue prosseguir na classifi-cação do evento.8

A CLASSIFICAÇÃO DAS EPILEPSIAS DE 2017

Em seguida, vamos tentar estabelecer o diagnóstico da epilepsia. A classificação das epilepsias tem propósitos clínicos, mas influencia e exerce impacto não apenas nas consultas na área da epilepsia, mas também nas pes-quisas básicas e clínicas e no desenvolvimento de novas terapias.

Os avanços significativos ocorridos nas últimas décadas na neurobiologia das crises epilépticas e das epilepsias fizeram com que a ILAE revisse suas classificações, entre elas a última Classificação das Epilepsias de 1989,9 portanto mais de 25 anos após a sua introdução. Nessa revisão, a denominação Classificação das Epilepsias substituiu o termo Organização das Crises Epilépticas e das Epilepsias, proposto por Berg et al. em 2010.10 Uma revisão da Classificação das Crises Epilépticas foi então publicada.11

Clique aqui para acessar a continuação do artigo, abordando o esquema diagnóstico da Epilepsia.

Referências
1. Thurman DJ, Beghi E, Begley CE, Berg AT, Buchhalter JR, Ding D, et al.; ILAE Commission on Epidemiology. Standards for epidemiologic studies and surveillance of epilepsy. Epilepsia. 2011;52 Suppl 7:2-26. 

2. Hauser WA, Annegers JF, Kurland LT. Prevalence of epilepsy in Rochester, Minnesota: 1940-1980. Epilepsia. 1991;32(4):429-45. 

3. Fisher RS, van Emde Boas W, Blume W, Elger C, Genton P, Lee P, et al. Epileptic seizures and epilepsy: definitions proposed by the International League Against Epilepsy (ILAE) and the International Bureau for Epilepsy (IBE). Epilepsia. 2005;46(4):470-2. 

4. Fisher RS, Acevedo C, Arzimanoglou A, Bogacz A, Cross JH, Elger CE, et al. A practical clinical definition of epilepsy. Epilepsia. 2014;55(4):475-82. 

5. Blume WT, Lüders HO, Mizrahi E, Tassinari C, van Emde Boas W, Engel J Jr. Glossary of Descriptive Terminology for Ictal Semiology: Report of the ILAE Task Force on Classification and Terminology. Epilepsia. 2001;42(9):1212-8.

6. Hauser AW, Rich SS, Lee JR, Annegers JF, Anderson VE. Risk of recurrent seizures after two unprovoked seizures. N Engl J Med. 1998;338(7):429-34. 

7. Proposal for revised clinical and electroencephalographic classification of epileptic seizures. From the Commission on Classification and Terminology of the International League Against Epilepsy. Epilepsia. 1981;22(4):489-501. 

8. Fisher R, Cross H, French JA, Higurashi N, Hirsch E, Jansen FE, et al. Operational classification of seizure types by the International League Against Epilepsy: Position Paper of the ILAE Commission for Classification and Terminology. Epilepsia. 2017;58(4):522-30. 

9. Proposal for revised classification of epilepsies and epileptic syndromes. Commission on Classification and Terminology of the International League Against Epilepsy. Epilepsia.1989;30(4):389-99. 

10. Berg AT, Berkovic SF, Brodie M, Buchhalter J, Cross JH, van Emde Boas W, et al. Revised terminology and concepts for organization ofseizures and epilepsies: report of the ILAE Commission on Classification and Terminology, 2005-2009. Epilepsia. 2010;51(4):676-85. 

11. Scheffer IE, Berkovic S, Capovilla G, Connolly MB, French J, Guilhoto L, et al. ILAE classification of the epilepsies: Position paper of the ILAE Commission for Classification and Terminology. Epilepsia. 2017;58(4):512-21. 

12. Patsalos PN, St Louis EK. The epilepsy prescriber’s guide to antiepileptic drugs. 3rd ed. Cambridge University Press, 2018.

PROFA. DRA. ELZA MÁRCIA YACUBIAN

CRM-SP 27.653

Professora Adjunta do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

¡Haz clic para calificar esta publicación!
Tags: