Vertismed Brasil | SÍNDROME DOS OVÁRIOS POLICÍSTICOS E O USO DE COCS CONTENDO CLORMADINONA

Síndrome dos ovários policÍsticos E O USO DE COCS CONTENDO CLORMADINONA

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Introdução síndrome dos ovários policísticos (SOP)

A Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP) é o distúrbio endocrinológico mais frequente em mulheres em idade reprodutiva, manifestando-se com disfunções menstruais, acne, hirsutismo, infertilidade e risco aumentado de doenças cardiometabólicas.1 A prevalência estimada dessa condição é de 4% a 20% e é responsável por 72% a 82% dos casos de hiperandrogenismo na população feminina.2,3

Apesar de muito prevalente, a etiologia da SOP ainda é desconhecida, e o diagnóstico da SOP é de exclusão, devendo-se sempre descartar outras causas de hiperandrogenismo e anovulação.4-7

diagnóstico da sop

Os critérios diagnósticos ainda seguem as definições do Consenso de Roterdã, de 2003, com revisão em 2012, em que são necessários pelo menos dois dos três critérios, sendo que nenhum deles é obrigatório: hiperandrogenismo clínico e/ou laboratorial; oligoamenorreia; critérios ultrassonográficos. Os sintomas hiperandrogênicos mais frequentes são acne, hirsutismo, aumento da oleosidade da pele e alopecia hiperandrogênica.1 A avaliação do hiperandrogenismo laboratorial deve ser realizada através da dosa-gem de testosterona livre ou biodisponível.2 O excesso de androgênio pode ainda interferir no sistema reprodutor nos níveis central e periférico e piorar a anovulação por uma retroalimentação hormonal inadequada.8 Além disso, o aumento da insulina que ocorre na SOP tem ação sinérgica ao hormônio luteinizante nas células da teca ovariana, causando ainda maior produção de androgênios.1,2

Em mulheres com queixas menstruais, a manifestação mais típica é de longos períodos de amenorreia, devido à anovulação crônica.1 Em adolescentes, em que padrões anovulatórios são frequentes devido à imaturidade do eixo hipotálamo-hipófise-ovariano, o diagnóstico é dificultado, sendo recomendada sua
revisão no início da vida adulta.2

Sobre a ecografia, deve-se atentar à contagem de folículos e ao volume ovariano, sendo que os critérios mais atuais para caracterizar SOP são pelo menos 20 folículos com diâmetro médio de 2 mm-9 mm ou volume ovariano maior ou igual a 10 cm3, excluindo-se a presença de corpo lúteo, cistos ou folículos dominantes.2

Embora não façam parte dos critérios diagnósticos, as disfunções metabólicas são frequentes na SOP, sendo fundamental avaliar parâmetros como obesidade abdominal, acantose nigricans, esteatose hepática, resistência insulínica, diabetes mellitus, dislipidemia, hipertensão e doença cardiovascular.1,2

Tratamento da SOP

Para instituição terapêutica, deve-se considerar a idade da mulher diagnosticada, fase da vida reprodutiva, peso corporal, índice de massa corpórea, desejo de gestação e associação com distúrbios metabólicos. Os pilares da terapêutica devem visar a melhora do hiperandrogenismo, das disfunções menstruais e das repercussões cardiometabólicas.1,2

Na presença de obesidade e/ou hábitos inadequados, a primeira recomendação deve basear-se na mudança de estilo de vida, com atividades físicas regulares e orientação nutricional individualizada.1 Em casos de intolerância à glicose resistente à mudança do estilo de vida, com acantose nigricans ou obesidade com antecedentes familiares de diabetes mellitus tipo II, há indicação de tratamento medicamentoso, sendo a metformina o fármaco mais utilizado.9 Outras opções são a pioglitazona e o mio-inositol.10,11

Para tratamento da disfunção menstrual, além das mudanças de estilo de vida, há possibilidades terapêuticas que variam, a depender da presença de hiperandrogenismo. Na ausência de manifestações hiperandrogênicas, os progestagênios isolados podem ser utilizados. Já os Contraceptivos Orais Combinados (COCs) são indicados para mulheres com manifestações hiperandrogênicas e para as que têm interesse em contracepção.1,2,9

CONTRACEPTIVOS ORAIS COMBINADOS E A SOP

O mecanismo de ação dos COCs baseia-se no bloqueio do eixo hipotálamo-hipófise ovariano e aumento de SHBG, reduzindo a fração livre de androgênios. Além disso, alguns progestagênios combinados nos COCs podem atuar através do bloqueio do receptor androgênico e/ou pela inibição da enzima 5 alfa-redutase, responsável pela conversão de testosterona em di-hidrotestosterona, que atua estimulando a unidade pilossebácea das mulheres com hirsutismo.2,12 A recomendação mais atual é a prescrição de COCs contendo de 20 μg a 30 μg de etinilestradiol (EE) associado a um progestagênio, escolhido a depender do quadro clínico. Em casos de hirsutismo intenso, substâncias antiandrogênicas podem ser associadas aos COCs, como o acetato de ciproterona, a espironolactona e a finasterida.13-16

A SOP também é uma condição associada a complicações relacionadas ao desequilíbrio metabólico.1 Nesse sentido, vários estudos vêm sendo realizados na intenção de comparar os COCs entre si, para avaliar combinações capazes de melho rar os sintomas com o menor impacto em fatores de risco cardiovascular, porém as evidências nesse sentido ainda são incompletas.17-26

A ação dos progestagênios varia de acordo com a classe escolhida e com a dose associada de EE, sabendo-se que os de segunda e terceira gerações (derivados da 19-nortestosterona) podem piorar o equilíbrio glicêmico, o que faz com que formulações associando outros progestagênios venham ganhando destaque.17-19

Por que podemos usar COCs contendo clormadinona na SOP? A clormadinona é um progestagênio derivado da 17-aceto-hidroxiprogesterona, com grande afinidade por receptores progestagênicos, capaz de conferir proteção endometrial. Possui um efeito antiandrogênico e não se liga ao SHBG, o que favorece a redução da biodisponibilidade de andrógenos.27 Em mulheres sem diagnóstico de SOP, o uso de EE na dose de 30 μg e clormadinona não revelou redução da sensibilidade insulínica e cursou com menor retenção hídrica, redução do percentual de massa gorda e melhora do perfil lipídico.20-22 Há estudos realizados em mulheres com SOP demonstrando que essa combinação pode manter o controle glicêmico mais adequado quando comparada à combinação de EE com desogestrel.23 Também existem evidências de melhora dos valores de LDL e ausência de alterações no peso e composição corporal, o que talvez possa ser explicado pela similaridade da clormadinona com a progesterona natural, com papel contrário ao aumento de massa gorda intermediado pelo EE,17,28 como por vezes é relatado. Além disso, dados da literatura demonstram que a SOP cursa com um desbalanço de metaloproteinases associadas a disfunções endoteliais, e estudos demonstram redução da sua concentração com uso de EE mais clormadinona, benefício adicional na melhora do risco cardiovascular.29

De maneira complementar, a propriedade antiandrogênica da clormadinona neutraliza a resistência insulínica mediada pelo EE, com dados que também demonstram redução da espessura e rigidez da artéria carótida média, o que é considerado um fator de risco isolado para doença cardiovascular em mulheres que usam esse tipo de COC.24-26,30,31

Sobre o hiperandrogenismo, o uso de EE mais clormadinona tem melhora significativa do hirsutismo e da acne. A clormadinona atua através da inibição da 5 alfa-redutase, com ação no folículo piloso, além de ligar-se aos receptores androgênicos, competindo com os androgênios, sendo importante ressaltar que sua afinidade por tais receptores é cerca de um terço maior do que a apresentada por alguns outros progestagênios.31,32

Ainda no que se refere ao quadro clínico da SOP, o uso de clormadinona apresenta bom controle das disfunções menstruais, com boa aceitação pelas usuárias e poucos efeitos colaterais, além de grande segurança para uso por longos períodos.17,20,22 Diante de todas essas características evidenciadas na literatura, o mecanismo das formulações de COCs contendo EE associado a clormadinona é interessante para mulheres com SOP, sem repercussão negativa no metabolismo, além de mostrar melhora importante dos sintomas de hiperandrogenismo.

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Dra. Cristina Laguna Benetti Pinto CRM-SP 46.595

Professora associada do Departamento de Tocoginecologia
da Faculdade de Ciências Médicas
da Universidade Estadual de Campinas.

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