Vertismed Brasil | PUBERDADE PRECOCE, OBESIDADE E PANDEMIA A RELAÇÃO ENTRE ESSES TRÊS ELEMENTOS NO CONTEXTO ATUAL

PUBERDADE PRECOCE, OBESIDADE E PANDEMIA A RELAÇÃO ENTRE ESSES TRÊS ELEMENTOS NO CONTEXTO ATUAL

Tiempo de lectura: 6 minutos

Uma sequência de eventos em comemoração aos 30 anos da Zodiac no Brasil trouxe à área de Endocrinologia Pediátrica,
no dia 19 de junho de 2021, a palestra “Puberdade precoce x pandemia: o que podemos aprender com os dados italianos?”.
Por meio de uma conferência online, o evento contou com a participação da Dra. Carla Bizzarri, da área de Endocrinologia
Pediátrica do Hospital Bambini Gesù, em Roma, na Itália, e do Dr. Sonir Antonini, endocrinologista pediátrico pela Universidade
de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto. Ao fim de cada apresentação, as palestras foram abertas a perguntas, com o objetivo de
esclarecer aos espectadores as questões expostas pelos especialistas.

a experiência italiana

A palestra começou com a apresentação da Dra. Carla, que levou ao público dados preliminares sobre a relação entre o diagnóstico de puberdade
precoce e o contexto pandêmico referente à Covid-19. Como conclusão, segundo a especialista, o estudo sugere que, durante o período de lockdown italiano, houve aumento significativo de casos de puberdade precoce em meninas, mas não em meninos, aparentemente.1

Entre os possíveis fatores associados a esses resultados, estão: as mudanças na vida diária impostas de forma estrita, como o fechamento de escolas e a proibição de toda prática esportiva, e a obrigação de estar em casa, reduzindo as saídas apenas a motivos de emergência, o que gera mais oportunidade de consumo de alimentos hipercalóricos e supernutrição. Há, ainda, de acordo com a Dra. Carla, a transformação no sistema de estudo, com o crescimento considerável do e-learning, que era extremamente incomum nas escolas primárias antes da pandemia, resultando em um amplo uso de dispositivos eletrônicos entre as crianças, tais como tablets e computadores pessoais. Além disso, Dra. Carla aponta que foi observado que os sintomas relacionados ao estresse devido a essa emergência de saúde nacional grave tornaram-se comuns tanto em adultos quanto em crianças.1 Ela ressalta que ainda são necessários estudos mais aprofundados para correlacionar o aumento de puberdade precoce com fatores patogenéticos específicos.

perguntas e respostas

A idade de 8 anos para a investigação de Tanner 2 em meninas deve ser revisada no futuro ou ser mantida como idade-limite?

Dra. Carla Bizzarri – Na minha opinião, deveríamos manter os limites, os cortes normais, e não reduzir o limite de idade do início
precoce da puberdade. É verdade que o início da puberdade está ocorrendo mais cedo, mas nos parece ainda prematuro demais apontar
6 anos de idade para uma menina iniciar a puberdade.

Tanto relatos da Itália quanto de Londres, Inglaterra, mostram maior ocorrência de casos de cetoacidose durante a pandemia.
No Brasil, não houve aumento no número de casos de diabetes mellitus tipo 1, mas houve mais casos de cetoacidose,
atribuídos à demora de atendimento médico pelo lockdown. O que tem a dizer sobre esses relatos? Além disso, acredita
que houve demora dos pacientes italianos em buscar atendimento médico em relação a sinais puberais? Acha que a restrição
social e a menor acessibilidade ao serviço médico pode ter influenciado na maior ocorrência de telarca e de puberdade
precoce?

CB – É diferente a diabete da puberdade precoce. Tivemos o mesmo resultado com diabetes tipo 1. Ou seja, não tivemos mais casos
de novos inícios de diabetes, mas ainda temos pacientes que são diagnosticados com situações mais graves devido a uma acidose
mais grave. Não houve realmente um número maior de casos, mas, sim, de uma acidose maior. Já para a puberdade precoce é diferente,
pois temos certeza de que vimos mais casos, porque comparamos a mesma população em dois anos diferentes no mesmo período,
sendo que o número de primeiras consultas aumentou muito.

Tem se notado a progressão puberal mais rápida nas crianças italianas durante esse período pandêmico?

CB – Sim. Ainda não temos os dados finais, mas, aparentemente, sim, com o início precoce do desenvolvimento dos seios e uma
progressão mais rápida durante os estágios de puberdade.

Quais seriam os possíveis mecanismos envolvidos nessa antecipação da puberdade caso se confirme que tem a ver com
a pandemia?

CB – Os mecanismos prováveis são uma supernutrição, o aumento do peso e a utilização de dispositivos eletrônicos. Entretanto,
não temos como comprovar tais fatores, pois ainda estamos coletando dados em outras regiões da Itália.

 

A RELAÇÃO PUBERDADE X OBESIDADE

Dr. Sonir Antonini apresentou um estudo que está sendo desenvolvido em Manaus, Amazonas, que aponta a tendência de a menarca ocorrer mais precocemente em meninas com excesso de peso.2 Segundo ele, para cada avanço de pontuação Z de índice de massa corporal (IMC) de +1, houve redução de 4 meses na idade da menarca,2 conforme o Gráfico 1.

De acordo com o médico, é importante sublinhar que não necessariamente obesidade ou sobrepeso causa puberdade precoce, mas que os dados desse e de outros estudos mostram que o excesso de peso antecipa a puberdade, pelo menos como marcada pela idade de menarca.

Dr. Antonini afirma que a relação causa-efeito entre o início da puberdade cada vez mais cedo e a prevalência do excesso de peso ainda é mais especulativa. Entretanto, aponta que o elo mais provável seja a leptina,3 já que ela estimula a secreção do hormônio liberador de gonadotrofina
(GnRH). Produzida no tecido adiposo periférico, a leptina é um sinalizador importante de puberdade, pois pacientes que não a têm, ou que apresentam resistência grave à substância – causada por mutações em seu receptor –, não entram em puberdade. Portanto, segundo o endocrinologista, é possível especular que o aumento da adiposidade levaria a uma concentração maior de leptina e isso seria um dos sinalizadores centrais para iniciar a secreção de GnRH um pouco mais cedo em meninas obesas.

Por outro lado, Dr. Antonini ressalta que esses dados são controversos, já que há estudo que indica um possível efeito supressivo da adiposidade sobre o GnRH durante a puberdade. Nesse caso, segundo ele, a adiposidade excessiva na ausência de esteroides sexuais pode suprimir levemente o eixo hipotálamo-hipófise-gônadas (HHG) em meninas pré-púberes, com menor hormônio luteinizante (LH) em meninas com excesso de peso (dado controverso).4 O médico afirma que a questão dos mecanismos de causa e efeito ainda precisa ser muito bem esclarecida.

PERGUNTAS E RESPOSTAS

É possível afirmar que o bloqueio puberal com uso de análogos leva a ganho de peso em meninas?

Dr. Sonir Antonini – De modo geral, as séries não confirmam isso. A maioria das meninas que têm excesso de peso no tratamento já
apresentam excesso de peso pré-tratamento. Se pegarmos os estudos da Holanda, por exemplo, eles mostram que não houve aumento
de peso; houve, sim, mudança na distribuição da obesidade, da adiposidade durante o tratamento. No final, há redistribuição da adiposidade,
que volta ao normal. Os dados mais amplos que temos hoje não confirmam a associação do bloqueio puberal com ganho de peso.
Dra. Carla Bizzarri – Temos exatamente a mesma experiência. O tratamento não faz aumentar o excesso de peso, mas, às vezes,
a menina já tem sobrepeso antes de iniciar o tratamento. Na minha opinião, não há efeito direto no peso durante a terapia GnRH.

Qual é o limite de concentração de 17-OH (17-hidroxiprogesterona) progesterona em crianças utilizado para indicar o teste
de estímulo com hormônio adrenocorticotrófico (ACTH)?

SA – O ponto de corte recomendado pela Sociedade Americana é de 200 ng/dL. Portanto, abaixo dos 200 ng/dL, nós não indicamos
o teste, apenas entre 100 ng/dL e 200 ng/dL. Quando a impressão clínica é de que a pubarca é progressiva e há avanço da idade óssea,
indicamos o teste com estímulo de ACTH. Mas, a princípio, abaixo de 200 ng/dL, não é necessário fazer teste de estímulo com ACTH.

O que acham sobre indicar o bloqueio puberal em uma menina que está com puberdade normal, dentro da estatura
normal, apenas para crescer mais a pedido dos pais?

SA – O bloqueio puberal em meninas que não têm puberdade precoce não tem eficácia para aumentar altura final. Dados de
Manaus mostram que menstruar mais cedo, dentro da faixa normal, não é associado com menor estatura.2 Nós comparamos meninas
que menstruaram antes e depois dos 12 anos e vimos que não há diferença entre a estatura final. Baixamos o corte e comparamos
meninas que menstruaram antes de 11 anos ou menos para 11 ou mais e não há diferença da estatura final. Esses são dados já clássicos
da literatura. É mito que iniciar puberdade normal nas maturadoras mais precoces está associado à baixa estatura. Portanto, não é
uma boa prática médica bloquear para aumentar altura em meninas normais. O melhor é tratar de convencer os pais de que eles estão
esperando coisas que não são atingíveis ou procurar saber por que estão esperando isso.

CB – Concordo que não usamos análogos em meninas com puberdade normal para aumentar altura porque não funciona. Entretanto, a única condição na qual é usado o análogo GnRH é quando há resistência. Quando há deficiência de ferro, por exemplo, e você está tratando com fator de crescimento semelhante à insulina (IGF), mas o paciente inicia a puberdade. Você pode tentar aumentar o prognóstico e, a partir daí, interromper a puberdade com os análogos para aumentar o comprimento do crescimento em termos de anos, aumentando a possibilidade de tratar o paciente com IGF-1. Vi casos, também, em que há estatura baixa muito grave. Nesses casos, é indicado usar hormônio de crescimento (GH) ou IGF-1 para tratar esses pacientes com deficiência grave de altura, não pacientes normais, tanto meninos quanto meninas.

REFERÊNCIAS

1. Verzani M, Bizzarri C, Chioma L, Bottaro G, Pedicelli S, Cappa M. Impact of COVID-19 pandemic lockdown on early onset of puberty:
experience of na Italian teriary center. Italian Journal of Pediatrics 2021;47:52. 2. Oliveira K, et al. Manuscript in Preparation; 2020.
3. Tena-Sempere M. Deciphering puberty: novel partners, novel mechanisms. European Journal of Endocrinology 2012;167(6):733-47.
4. Bordini B, Littlejohn E, Rosenfield RL. Blunted Sleep-Related Luteinizing Hormone Rise in Healthy Premenarcheal Pubertal Girls with
Elevated Body Mass Index. J Clin Endocrinol Metab. 2009;94(4):1168-75.

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