Vertismed Brasil | Variantes raras no gene MECP2 em meninas com puberdade precoce central

Variantes raras no gene MECP2 em meninas com puberdade precoce central

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Introdução

A puberdade precoce é um distúrbio endócrino que afeta crianças em todo o mundo. Na prática clínica, puberdade precoce não tratada pode levar a desfechos adversos na vida adulta, como baixa estatura e sofrimento psicossocial. Além disso, estudos populacionais mostram que o início prematuro dos marcos da puberdade pode se associar com condições adversas de saúde, como obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão, doença cardiovascular e risco de câncer (mama ou endométrio em mulheres e próstata em homens). O mecanismo mais comum de puberdade precoce é a reativação prematura da secreção pulsátil de GnRH hipotalâmico, conhecida como puberdade precoce central (PPC) ou dependente de gonadotrofinas.

A identificação de causas genéticas de PPC tem revelado mecanismos epigenéticos como reguladores do início da puberdade humana. O Methyl-CpG-binding protein 2 (MECP2) é um gene ligado ao X (cromossomo Xq28) que codifica uma proteína nuclear capaz de se ligar ao DNA metilado de regiões promotoras, funcionando como um repressor ou um ativador da transcrição gênica. Mutações de perda-de-função no MECP2 geralmente causam a síndrome Rett, um distúrbio grave do neurodesenvolvimento caracterizado por regressão de capacidades adquiridas na infância. Entretanto, mutações no MECP2 têm sido descritas em indivíduos com fenótipos clínicos mais amplos, como neuro-deficiências leves ou transtorno de espectro autista, sugerindo que variantes no MECP2 possam levar a consequências fenotípicas distintas. Notavelmente, desenvolvimento puberal precoce tem sido identificado em diversos pacientes com síndrome Rett, como média de idade de telarca em uma coorte de meninas Rett de 7,1 (±2,5) anos.

Objetivo

O objetivo principal deste trabalho foi explorar se variantes no MECP2 são associadas com o fenótipo de PPC idiopática.

Métodos

Neste estudo de coorte translacional, os participantes foram recrutados de sete centros terciários de cinco países (Brasil, Espanha, França, Estados Unidos e Reino Unido). Pacientes com PPC idiopática foram investigados para variantes raras potencialmente deletérias no gene MECP2 para avaliar sua contribuição como causa de PPC. Critérios de inclusão foram o desenvolvimento de sinais puberais progressivos (estágio de Tanner 2) antes da idade de 8 anos nas meninas e de 9 anos nos meninos e a dosagem de concentrações séricas púberes de LH basal ou após estímulo com GnRH. Critérios de exclusão foram o diagnóstico de puberdade precoce periférica e a presença de qualquer causa reconhecida de PPC (lesões de sistema nervoso central, causas monogênicas conhecidas, síndromes genéticas ou exposição precoce a esteroides sexuais). Todos os pacientes incluídos foram seguidos nos ambulatórios de Endocrinologia dos centros acadêmicos participantes. Inicialmente, sequenciamento de alto rendimento (abordagem de sequenciamento concomitante de múltiplos genes) foi realizado em 133 pacientes. Adicionalmente, sequenciamento pelo método Sanger do MECP2 (abordagem de sequenciamento de gene único) foi realizado em mais 271 pacientes para expandir a análise numa coorte maior. Para fornecer evidências genéticas adicionais da associação do MECP2 com o fenótipo de PPC, uma análise da frequência de variantes raras potencialmente deletérias no gene MECP2 foi realizada, comparando as frequências alélicas entre a coorte com PPC (casos) e os indivíduos do banco de dados público de variantes alélicas gnomAD (controles; https://gnomad.broadinstitute.org). Significância estatística foi dada com p < 0,05. Expressão hipotalâmica do Mecp2 e sua colocalização com neurônios GnRH foi determinada em camundongos para mostrar a expressão do Mecp2 em núcleos hipotalâmicos com papel chave na regulação do desenvolvimento puberal.

Resultados

Entre junho de 2020 e junho de 2022, 404 pacientes com PPC idiopática (383 meninas e 21 meninos; 261 casos esporádicos e 143 casos familiares de 134 famílias não-relacionadas) foram alocados e avaliados. Foram identificadas três variantes codificadoras raras em heterozigose provavelmente deletérias no MECP2 em cinco meninas: uma variante missense de novo (p.Arg97Cys) em duas gêmeas monozigóticas com PPC e microcefalia; uma variante missense de novo (p.Ser176Arg) em uma menina com PPC esporádica, obesidade e autismo; e uma inserção (p.Ala6_Ala8dup) em duas meninas não relacionadas com PPC esporádica. Adicionalmente, foi identificada uma inserção rara em heterozigose na região 3’UTR do MECP2 (c.*36_*37insT) em duas meninas não relacionadas com PPC esporádica. Nenhuma dessas pacientes manifestava síndrome Rett. A frequência alélica de variantes raras potencialmente deletérias no MECP2 identificadas em meninas com PPC (0,91%) foi significativamente maior do que a frequência alélica identificada em mulheres saudáveis do banco de dados gnomAD (0,09%; p não-ajustado = 0,00002). Este achado indicou um enriquecimento de variantes raras no MECP2 na coorte de PPC, fortalecendo a potencial associação deste gene com o fenótipo de PPC. Além disso, o estudo em camundongos da expressão da proteína Mecp2 nos núcleos hipotalâmicos evidenciou sua alta expressão nas áreas com papel chave na regulação do GnRH e sua colocalização com o GnRH na maioria dos neurônios GnRH desta região. 

Conclusões

O estudo atual identificou variantes raras em múltiplas meninas não relacionadas com PPC, com ou sem anormalidades leves de neurodesenvolvimento, sugerindo uma provável forma ligada ao X de desenvolvimento puberal prematuro. O MECP2 pode ter um papel no controle hipotalâmico do desenvolvimento puberal humano, adicionando evidências do envolvimento de mecanismos genéticos e epigenéticos neste processo biológico complexo.

Este trabalho foi originalmente publicado online em 26 de junho de 2023 no periódico internacional The Lancet Diabetes & Endocrinology.

Canton APM, Tinano FR, Guasti L, Montenegro LR, Ryan F, Shears D, et al. Rare variants in the MECP2 gene in girls with central precocious puberty: a translational cohort study. Lancet Diabetes Endocrinol. 2023;11(8):545-54.

doi: 10.1016/S2213-8587(23)00131-6 

Dra. Ana Pinheiro Machado Canton

Endocrinologista e Endocrinologista Pediátrica

Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

CRM-SP 143.309

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