Vertismed Brasil | Atualização no Diagnóstico Etiológico de Puberdade Precoce Central

Atualização no Diagnóstico Etiológico de Puberdade Precoce Central

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Introdução

A puberdade precoce é um distúrbio endócrino que afeta crianças em todo o mundo (1). Quando não tratada, pode levar a desfechos adversos na vida adulta, como baixa estatura e sofrimento psicossocial. Além disso, estudos populacionais mostram que o início prematuro dos marcos da puberdade pode se associar com condições de saúde, como obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão, doença cardiovascular e risco de câncer (mama ou endométrio em mulheres e próstata em homens). O mecanismo mais comum de puberdade precoce é a reativação prematura da secreção pulsátil de GnRH hipotalâmico, conhecida como puberdade precoce central (PPC) ou dependente de gonadotrofinas (2). A frequência de PPC varia de acordo com os registros populacionais. Entretanto, independente da coorte, ela é marcadamente mais comum no sexo feminino. A etiologia da PPC é múltipla e heterogênea, envolvendo causas congênitas ou adquiridas, com e sem lesões de sistema nervoso central (SNC). Nos últimos anos, a investigação etiológica (a busca da causa da PPC numa criança) tem melhorado com abordagens clínicas e estudos de neuroimagem mais precisos. Da mesma forma, recentemente distúrbios genéticos têm sido identificados em crianças com PPC, previamente classificadas como idiopática (1).

Objetivo

O principal objetivo foi realizar uma atualização das causas de PPC numa grande coorte de crianças. Este trabalho foi apresentado no International Meeting of Pediatric Endocrinology (IMPE) 2023 em fevereiro de 2023, em Buenos Aires (Argentina) (3).

Pacientes e métodos

uma avaliação retrospectiva das causas de PPC entre os pacientes acompanhados nas últimas duas décadas no Ambulatório de Endocrinologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HCFMUSP; São Paulo, Brasil), um centro de pesquisa brasileiro pioneiro nesta área. Os critérios para diagnóstico de PPC foram 1) em meninas, desenvolvimento progressivo de sinais puberais, principalmente desenvolvimento de mamas no estágio 2 de Tanner (telarca) < 8 anos ou menarca ≤ 9 anos; 2) em meninos, desenvolvimento progressivo de sinais puberais, principalmente aumento de volume testicular no estágio 2 de Tanner (≥ 4 mL) < 9 anos; e 3) em ambos os sexos, concentrações púberes de LH basal ou após estímulo com GnRH.

Resultados

A análise sistemática dos registros médicos mostrou um total de 292 casos (264 meninas e 28 meninos) de PPC, sendo que todos foram submetidos à Ressonância Magnética de SNC. Entre esses, 50 pacientes (33 meninas e 17 meninos) tinham uma lesão de SNC (congênita ou adquirida) relacionada à PPC, indicando uma prevalência global de 17,1% de causas orgânicas. Analisando por sexo, esta prevalência de PPC orgânica foi 12,5% em meninas e 60,7% em meninos. As lesões congênitas de SNC mais comuns foram hamartoma hipotalâmico (n=20), mielomeningocele (n=4) e neurofibromatose tipo 1 com glioma óptico (n=2), enquanto as lesões adquiridas mais comuns foram hidrocefalia (n=8) e paralisia cerebral (n=3).

Os demais pacientes (n=242; 82,9%) não tinham lesões de SNC, sendo classificados como PPC aparentemente idiopática. Nas últimas duas décadas, estudos genéticos para identificação de fatores causais da PPC têm sido realizados no HCFMUSP. Entres esses casos, até o momento, 182 (173 meninas e 9 meninos) pacientes foram avaliados (em acordo com termo de consentimento livre e esclarecido). Defeitos genéticos foram identificados em 22 casos (20 meninas e 2 meninos), indicando uma frequência global de 12,1% de causas genéticas de PPC. Analisando por sexo, a frequência de causas genéticas foi de 11,5% em meninas e 22,2% em meninos. As causas genéticas identificadas foram mutação no gene MKRN3 (8 pacientes de 7 famílias) (4-6); mutação no gene DLK1 (6 pacientes de 2 famílias) (7,8), mutação ativadora em genes da via da kisspeptina (2 pacientes) (9,10), mutação no gene MECP2 (2 pacientes) (11), mutação no gene DDX3X (1 paciente) e síndrome de Temple (3 pacientes) (12). Por meio de análise de regressão logística, foram identificados que história familiar positiva de PPC (OR 3,4; IC95% 1,3-8,7; p=0,009) e presença de anormalidade de neurodesenvolvimento (atraso de desenvolvimento neuropsicomotor, transtorno de espectro autista e/ou dificuldades de aprendizado) em associação com PPC (OR 3,5; IC95% 1,0-12,5; p=0,05) foram possíveis fatores clínicos preditores para as causas genéticas.

 

Conclusões

Causas genéticas foram identificadas em 12,1% dos pacientes com PPC sem lesões de SNC, previamente classificada como idiopática. História familiar positiva e presença de anormalidade de neurodesenvolvimento foram possíveis fatores preditivos de causas genéticas e devem ser ativamente investigados na abordagem clínica de crianças com PPC para o diagnóstico etiológico preciso. Mais ainda, os achados apontaram para o papel crescente da identificação de causas genéticas na investigação etiológica de PPC. 

Referências:

1. Brito VN, Canton APM, Seraphim CE, et al. The Congenital and Acquired Mechanisms Implicated in the Etiology of Central Precocious Puberty. Endocr Rev. 2023 Mar 4;44(2):193-221.

2. Latronico AC, Brito VN, Carel JC. Causes, diagnosis, and treatment of central precocious puberty. Lancet Diabetes Endocrinol. 2016;4(3):265-74.

3. Canton A, Latronico AC, Montenegro L, et al. Update on the etiological diagnosis of central precocious puberty in both sexes. Horm Res Paediatr 2023;96(suppl 2):51. Disponível em IMPE Abstracts: https://impe-abstracts.bioscientifica.com/impe/0096/impe0096fc15.1

4. Abreu AP, Dauber A, Macedo DB, et al. Central precocious puberty caused by mutations in the imprinted gene MKRN3. N Engl J Med. 2013;368(26):2467-75.

5. Macedo DB, Abreu AP, Reis AC, et al. Central precocious puberty that appears to be sporadic caused by paternally inherited mutations in the imprinted gene makorin ring finger 3. J Clin Endocrinol Metab. 2014;99(6):E1097-103.

6. Seraphim CE, Canton APM, Montenegro L, et al. Genotype-Phenotype Correlations in Central Precocious Puberty Caused by MKRN3 Mutations. J Clin Endocrinol Metab. 2021;106(4):1041-50.

7. Dauber A, Cunha-Silva M, Macedo DB, et al. Paternally Inherited DLK1 Deletion Associated With Familial Central Precocious Puberty. J Clin Endocrinol Metab. 2017;102(5):1557-67.

8. Gomes LG, Cunha-Silva M, Crespo RP, et al. DLK1 Is a Novel Link Between Reproduction and Metabolism. J Clin Endocrinol Metab. 2019;104(6):2112-20.

9. Teles MG, Bianco SD, Brito VN, et al. A GPR54-activating mutation in a patient with central precocious puberty. N Engl J Med. 2008;358(7):709-15.

10. Silveira LG, Noel SD, Silveira-Neto AP, et al. Mutations of the KISS1 gene in disorders of puberty. J Clin Endocrinol Metab. 2010;95(5):2276-80.

11. Canton A, Tinano F, Guasti L, et al. X-linked central precocious puberty associated with MECP2 defects. Horm Res Paeditr 2022;95(suppl 2):363-364.

12. Canton APM, Krepischi ACV, Montenegro LR, et al. Insights from the genetic characterization of central precocious puberty associated with multiple anomalies. Hum Reprod. 2021;36(2):506-18.

Dra. Ana Pinheiro Machado Canton

CRM-SP 143.309

Endocrinologista e Endocrinologista Pediátrica

Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

 

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